“Sou minha, só minha e não de quem quiser...”
Saiu esta semana no site UOL uma reportagem sobre pesquisa divulgada pelo IPEA, dizendo que mais de 65% dos brasileiros e BRASILEIRAS entrevistados afirma que mulher que se veste de forma “inadequada” – diga-se com decotes, roupas curtas, justas, etc. – “merece” ser atacada. Assim sendo, segundo homens – e MULHERES!!! – aquela que usa uma roupa inadequada atiçaria a libido masculina e por isso deve arcar com as consequências.
Ora, ora! Depois de ler a referida matéria, um turbilhão de ideias veio à minha mente, mas, como diria “Jack, o Estripador”, vamos por partes (desculpem a piada de mau gosto, mas nada mais adequado à afirmação de péssimo gosto acima).
Situação número 1 - Em algum lugar no transporte público das grandes capitais brasileiras, 2014. Imagine-se, você mulher, acordando as sete da manhã, arrumando-se para ir trabalhar. Certamente deverá escolher para si um traje adequado para o turno laboral. Talvez um delicado “tailleur” para você executiva, psicóloga, advogada, arquiteta ou economista, que pega o metrô por ser mais rápido. Talvez um jeans e camisa mais ajeitada para você, mulher auxiliar de escritório, atendente, secretária ou funcionária de uma empresa menos exigente e de outros empregos igualmente dignos. Não vou nem falar sobre o momento em que você sai. Vou falar do momento em que você volta: cansada, descabelada, sem maquiagem e provavelmente com seu perfume - pode até ser francês – ligeiramente vencido. Você entra no vagão lotado e ops! – percebe uma aproximação invasiva e inconveniente de um homem que está a assediando. Vamos recapitular o seu vestuário: simples e discreto. Vamos recapitular a sua condição no momento: suada, descabelada, sem maquiagem, glamour ou decote. Pergunta: você MERECE ser atacada?
Situação número 2 - Em algum transporte coletivo na Índia, 2012. Uma mulher é brutalmente estuprada e jogada para fora de um ônibus em movimento. Ela subiu com um amigo no coletivo, ele foi agredido e ela foi violentada por seis homens, incluindo o motorista e o cobrador. Não resistiu aos ferimentos, morreu. Por acaso você já viu a vestimenta de uma mulher indiana? É praticamente um padrão a vestimenta colorida e bem bordada, porém folgada – o famoso sari –, que não faz alusão a uma curva sequer. Nova pergunta, inevitável: ela MERECIA ser estuprada e violentada até a morte?
Situação número 3 - França sem data definida. Imagine uma linda menininha de 4, 7 anos talvez. Toda a pureza do mundo se encontra na alma e no corpo dessa menina. Ela usa suas calças coloridas e suas blusas de ursinhos. Alguns anos depois, em uma campanha para um projeto, ela segura um cartaz com os seguintes dizeres: “Seus pais saíram para jantar, mas não se preocupe, eu vou cuidar de você”. Foi isso que aquela menininha, hoje uma jovem que luta para superar seu trauma, ouviu de seu estuprador, alguns momentos antes de ser atacada. Pergunta: uma menina, com seu corpo pueril e suas roupinhas infantis, MERECE ser atacada?
Acho que, pra finalizar, convém que se faça uma visita nos arredores da rua Augusta, em São Paulo, por volta das 22 horas. Lá você encontrará as moças que são profissionais do sexo. Curiosamente, uma boa parte delas não mostra o corpo: ao contrário, vestem roupas bem-comportadas, portam bolsas de tamanho razoável a tiracolo e são muito discretas. Vários homens passam e de dentro dos seus carros pronunciam frases indizíveis para um artigo. Alguns arriscam parar o carro e abordar as moças de forma mais contundente. Nesse momento, também paira a pergunta: estas profissionais do sexo, ainda que com roupas discretas, MERECEM ser atacadas? E mais: POR QUE foram assediadas, se estão usando roupas tão comportadas? “Ah, porque são profissionais do sexo”, você vai dizer. Mas e as moças que não são profissionais do sexo e resolvem usar alguma peça mais arrojada porque não têm vergonha do seu corpo… essas mulheres – donas de casa, trabalhadoras, jovens, velhas, casadas, solteiras – MERECEM ser atacadas? “Sim, porque estão com roupas provocantes”, alguns dirão. OK, mas como poderíamos então justificar o ataque à mulher indiana, à menina de 7 anos, à trabalhadora cansada e com roupas normais e folgadas no final de seu turno de trabalho?
A conclusão, meus caros, é que NADA, NADA JUSTIFICA a postura de assédio masculino. NADA justifica o julgamento moralista descarado que homens e MULHERES fazem sobre a vestimenta alheia e NENHUMA VESTIMENTA ou EXPOSIÇÃO de alguma parte do corpo deve ser usada como desculpa para o assédio sexual masculino – vulgo “ataque”, até mesmo porque, em vista dos exemplos verídicos acima, pudemos perceber que a roupa não é a única deflagradora de certos comportamentos doentios. Cada um é dono de seu corpo, e se há uma exposição que merece ser “atacada”, é a do machismo - seja ele masculino ou feminino, machismo esse que justifica o ataque à liberdade de se vestir, de andar, de viver e se expressar da forma como achar melhor.
Por fim, nada mais lindo do que esta letra de Renato Russo, que diz: “sou minha, só minha, e não de quem quiser…”. Que isso seja um manifesto diário, escancarado, acima de todo e qualquer machismo e senso de moralismo infundado que propala que a mulher, enquanto objeto de desejo, está fadada a esconder-se… Porque, no fim, nenhuma mulher MERECE ser atacada simplesmente por ter escolhido a liberdade de expressar quem é.
Ora, ora! Depois de ler a referida matéria, um turbilhão de ideias veio à minha mente, mas, como diria “Jack, o Estripador”, vamos por partes (desculpem a piada de mau gosto, mas nada mais adequado à afirmação de péssimo gosto acima).
A pergunta que não quer calar é: uma roupa “inadequada”, que mostra partes do corpo, poderia mesmo influenciar na consumação ou não de um ataque?
Situação número 1 - Em algum lugar no transporte público das grandes capitais brasileiras, 2014. Imagine-se, você mulher, acordando as sete da manhã, arrumando-se para ir trabalhar. Certamente deverá escolher para si um traje adequado para o turno laboral. Talvez um delicado “tailleur” para você executiva, psicóloga, advogada, arquiteta ou economista, que pega o metrô por ser mais rápido. Talvez um jeans e camisa mais ajeitada para você, mulher auxiliar de escritório, atendente, secretária ou funcionária de uma empresa menos exigente e de outros empregos igualmente dignos. Não vou nem falar sobre o momento em que você sai. Vou falar do momento em que você volta: cansada, descabelada, sem maquiagem e provavelmente com seu perfume - pode até ser francês – ligeiramente vencido. Você entra no vagão lotado e ops! – percebe uma aproximação invasiva e inconveniente de um homem que está a assediando. Vamos recapitular o seu vestuário: simples e discreto. Vamos recapitular a sua condição no momento: suada, descabelada, sem maquiagem, glamour ou decote. Pergunta: você MERECE ser atacada?
Situação número 2 - Em algum transporte coletivo na Índia, 2012. Uma mulher é brutalmente estuprada e jogada para fora de um ônibus em movimento. Ela subiu com um amigo no coletivo, ele foi agredido e ela foi violentada por seis homens, incluindo o motorista e o cobrador. Não resistiu aos ferimentos, morreu. Por acaso você já viu a vestimenta de uma mulher indiana? É praticamente um padrão a vestimenta colorida e bem bordada, porém folgada – o famoso sari –, que não faz alusão a uma curva sequer. Nova pergunta, inevitável: ela MERECIA ser estuprada e violentada até a morte?
Situação número 3 - França sem data definida. Imagine uma linda menininha de 4, 7 anos talvez. Toda a pureza do mundo se encontra na alma e no corpo dessa menina. Ela usa suas calças coloridas e suas blusas de ursinhos. Alguns anos depois, em uma campanha para um projeto, ela segura um cartaz com os seguintes dizeres: “Seus pais saíram para jantar, mas não se preocupe, eu vou cuidar de você”. Foi isso que aquela menininha, hoje uma jovem que luta para superar seu trauma, ouviu de seu estuprador, alguns momentos antes de ser atacada. Pergunta: uma menina, com seu corpo pueril e suas roupinhas infantis, MERECE ser atacada?
Acho que, pra finalizar, convém que se faça uma visita nos arredores da rua Augusta, em São Paulo, por volta das 22 horas. Lá você encontrará as moças que são profissionais do sexo. Curiosamente, uma boa parte delas não mostra o corpo: ao contrário, vestem roupas bem-comportadas, portam bolsas de tamanho razoável a tiracolo e são muito discretas. Vários homens passam e de dentro dos seus carros pronunciam frases indizíveis para um artigo. Alguns arriscam parar o carro e abordar as moças de forma mais contundente. Nesse momento, também paira a pergunta: estas profissionais do sexo, ainda que com roupas discretas, MERECEM ser atacadas? E mais: POR QUE foram assediadas, se estão usando roupas tão comportadas? “Ah, porque são profissionais do sexo”, você vai dizer. Mas e as moças que não são profissionais do sexo e resolvem usar alguma peça mais arrojada porque não têm vergonha do seu corpo… essas mulheres – donas de casa, trabalhadoras, jovens, velhas, casadas, solteiras – MERECEM ser atacadas? “Sim, porque estão com roupas provocantes”, alguns dirão. OK, mas como poderíamos então justificar o ataque à mulher indiana, à menina de 7 anos, à trabalhadora cansada e com roupas normais e folgadas no final de seu turno de trabalho?
A conclusão, meus caros, é que NADA, NADA JUSTIFICA a postura de assédio masculino. NADA justifica o julgamento moralista descarado que homens e MULHERES fazem sobre a vestimenta alheia e NENHUMA VESTIMENTA ou EXPOSIÇÃO de alguma parte do corpo deve ser usada como desculpa para o assédio sexual masculino – vulgo “ataque”, até mesmo porque, em vista dos exemplos verídicos acima, pudemos perceber que a roupa não é a única deflagradora de certos comportamentos doentios. Cada um é dono de seu corpo, e se há uma exposição que merece ser “atacada”, é a do machismo - seja ele masculino ou feminino, machismo esse que justifica o ataque à liberdade de se vestir, de andar, de viver e se expressar da forma como achar melhor.
Por fim, nada mais lindo do que esta letra de Renato Russo, que diz: “sou minha, só minha, e não de quem quiser…”. Que isso seja um manifesto diário, escancarado, acima de todo e qualquer machismo e senso de moralismo infundado que propala que a mulher, enquanto objeto de desejo, está fadada a esconder-se… Porque, no fim, nenhuma mulher MERECE ser atacada simplesmente por ter escolhido a liberdade de expressar quem é.
Sobre a Autora:
Núbia Camilo é professora por formação, cantora por hobby, jornalista freelancer e escritora por paixão. Mas, o que gosta mesmo é de pensar sobre a vida e de uma boa conversa.
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