Debochada

    Debochada é o nome que ela escolheu para si, como quem se veste com a pele de um personagem - uma escolha entre o real e o inventado, entre o riso alto e a melancolia escondida. Seu sorriso abre espaço no rosto como um clarão inesperado, sua risada, rasgada e alta, parece rasgar o céu, trovejar nas alturas, uma lembrança de Malévola, talvez, uma faísca de ironia na boca da noite. No trabalho, veste a roupa branca e calça o silêncio das instituições tradicionais da saúde. Mas Debochada? Debochada se esconde debaixo daquelas roupas, à espera do fim do expediente, à espera do momento de poder se encontrar.

    Ela adora músicas. Sua vida é uma trilha sonora pulsante. A cada canção, encontra um pedaço de si espalhado. Compartilha, sem pedir permissão, aqueles acordes que bradam como eco dentro de seu peito. O que ela não diz com palavras, as músicas gritam. Como se soubessem que há algo, lá dentro, que ainda não aprendeu a falar, que ainda não encontrou forma de existir fora dela.

    E como quem vive entre realidades, ela se entrega ao cinema com a mesma paixão. Adora filmes, em especial aqueles que a fazem sentir algo profundo.

    No seu corpo, uma coleção de histórias em forma de tinta. Tatuagens espalhadas pela pele como marcas de uma jornada que não termina. Uma delas, uma referência ao E.T., aquele extraterrestre desajustado, como ela própria. Aquela criatura de outro mundo que só queria ir para casa. Talvez seja o que Debochada sente também, perdida entre mundos, tentando encontrar onde realmente pertence. Ela sorri, talvez por saber que essa resposta está sempre escorregando pelos seus dedos.

    E enquanto ela dança entre a medicina tradicional e os mistérios das plantas psicotrópicas, onde encontra outros caminhos, outros alívios, o riso e a melancolia se confundem. Além das tatuagens e histórias, há ainda uma conexão profunda com o sagrado. Eventualmente, ela consagra Ayahuasca em rituais, adentrando o mundo espiritual em busca de respostas, de cura, de paz. Também freqüenta terreiros, sentindo a força de entidades antigas, deixando-se guiar por vozes ancestrais. Ela é uma ponte entre dois mundos - o da medicina tradicional, onde trabalha, e o da medicina natural, onde busca se curar.

    Ela é um paradoxo, uma nuvem carregada que ri de si mesma. "Sou uma nuvenzinha cinza", ela costuma dizer, como se fosse normal se ver assim. Ninguém espera chuva quando ela chega, mas ela traz. Traz raios, trovões e às vezes, entre o riso e a melancolia, uma garoa suave que toca quem tem sorte de estar por perto.

    E ali, na privacidade que raramente permite, há outra faceta sua, mais íntima, onde o som toma uma forma diferente. Seus gemidos surgem como uma melodia afinada, sensuais e cuidadosamente dosados, como se fossem notas de uma música invisível. Eles vêm em sinfonia com o corpo, como os trovões que seguem sua risada, ecoando de forma precisa e quase deliberada, um mistério a mais para quem ousa entrar nesse mundo tempestuoso.

    Dentro dela, a tempestade nunca cessa. Ela se vê assim, pesada, carregada, mas ninguém vê isso na sua risada. Ali, é só trovão, só o som da terra quebrando o silêncio do céu. Mas, no silêncio da intimidade, são os gemidos, tão afinados quanto seu gosto musical, que narram sua história - uma história de controle e entrega, de relâmpagos e calmaria.

    Debochada caminha entre seus mundos, entre a música e o silêncio, entre o riso e a nuvem melancólica que insiste em segui-la. No fim do dia, depois de todas as gargalhadas e dos momentos em que seus olhos confessam mais do que sua boca, ela olha para o céu, como quem procura. Como quem é, ela mesma, uma parte desse céu. Uma nuvem cinza, carregada de mistérios, gemidos e de chuva.

    E talvez, como o E.T. tatuado em sua pele, Debochada também esteja sempre buscando um lugar ou alguém para chamar de lar.

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